17.2.09

 

Como ser criativo, original

Veja a entrevista (criativa) com Giscar Otreblig, escritor e crítico literário, professor e ministrante de oficinas de escrita criativa.


Giscar Otreblig, nascido na Arábia Saudita, com passagem por Portugal e radicado no Rio de Janeiro, concede entrevista para o GUIA DE PRODUÇÃO TEXTUAL (www.pucrs.br/gpt/index.php) de autoria de Gilberto Scarton. Giscar é, além de escritor, crítico literário, professor e ministrante de oficinas de escrita criativa.

por Gilberto Scarton

GPT - E a literatura árabe?
Giscar - Vai bem, obrigado. Editores descobrem a atual geração de escritores de língua árabe. E cresce, surpreendentemente, o número de mulheres árabes escritoras.

GPT - Por exemplo?
Giscar - Rajaa Alsanea, ameaçada de morte, por revelar em seu livro "Vida dupla", como vivem os jovens de classe média alta na Arábia Saudita. E Fadia Faqir, ativista jordaniana que defende os direitos da mulher no mundo árabe. Vejo o seu livro "Meu nome é Salma".

GPT - Qual o maior nome da literatura árabe moderna?
Giscar - É Naguib Mahfouz, Nobel de literatura em 1988.

GPT: Além de professor e escritor, o senhor é crítico literário e ministra oficinas de escrita criativa. Que é mesmo escrita criativa?
Giscar - A escrita criativa, em certo sentido, se opõe à escrita utilitária, burocrática. Poderia ser denominada de escrita literária, lúdica. A escrita de poemas, de contos, de jogos de palavras, etc...

GPT - Mas uma dissertação não pode ser criativa?
Giscar - Sem dúvida. Escrita criativa tem um sentido mais amplo do que aquele mencionado anteriormente: a criatividade exerce-se em todos os níveis de produção lingüística. Manifesta-se em diferentes tipos de texto.

GPT - Até numa receita culinária?
Giscar - Até numa receita culinária. Que o diga o Sr. Houaiss. Mas observe-se: há graus de criatividade.

GPT - Então, quando um texto é criativo?
Giscar - Um texto é criativo quando se afasta da vala comum dos outros textos. Quando divergir, tanto quanto possível, de outros textos na abordagem do tema, no emprego dos recursos gráficos e fônicos, na seleção dos vocábulos, na construção das frases, no emprego dos recursos semânticos, etc.

GPT - O senhor falou "tanto quanto possível..."
Giscar - Sim. Foi Voltaire quem disse: "a originalidade não é senão uma imitação prudente. Os mais originais escritores pegaram emprestado uns dos outros".

GPT - Então nenhum texto é inteiramente original?
Giscar - Acho que não. Cada texto é uma transformação de outros textos. Isso é muito fácil de ser entendido. Nenhum texto se produz no vazio ou nasce numa inocente solitude. Ao contrário, alimenta-se de outros textos. É o fenômeno da intertextualidade...

GPT - Qual a implicação do que o senhor acaba de afirmar para um "aprendiz da escrita", para o ensino da língua portuguesa?
Giscar - Quanto mais lemos e bem, mais possibilidades temos de compreender um texto, um poema, determinado escritor, de entender os caminhos percorridos por ele. Por outro lado, mais aptos estaremos de escrever nossos próprios textos. Ler não é apenas um verbo... ensinar a ler é a prática mais importante na Educação.

GPT - Então uma oficina de escrita criativa tem importância relativa?
Giscar - Eu diria que sim. Diria mais: quem deseja cursar uma oficina de escrita criativa deveria conhecer os objetivos da oficina, fazer algumas aulas e, a partir daí, decidir se é conveniente, bom, produtivo fazer todas as aulas.

GPT - Que objetivos o senhor estabelece para suas oficinas?
Giscar - Desfazer mitos, preconceitos a respeito da escrita; ensinar o aluno a ler; entender os mecanismos da escrita criativa; vivenciar a experiência de construir textos criativos; resgatar no oficineiro a consciência de que ele é um ser criativo...

GPT - Ensinar a ler?
Giscar - Sim, exatamente. Ensinar a ler como um escritor. Desnudar cada palavra. Cada frase. Cada parágrafo, texto ... para descer às profundezas da linguagem e fruir o belo.

GPT - Mas tem-se dito muito que escrever é um dom. Que o senhor acha?
Giscar - Escrever é um dom... mas um dom de todos, pois a linguagem é apanágio da espécie humana.

GPT - Posso concluir que também não é uma questão de inspiração...?
Giscar - Inspiração é/deve ser como visita de sogra. Está chegando e ... já deve estar saindo. (Giscar queria retirar essa comparação... pois considera (e é) preconceituosa. Diz que sua sogra é generosa como uma geladeira: sempre obsequiosa, prestativa...).

GPT - É questão de trabalho, de transpiração, para usar de um lugar comum?
Giscar - Fernando Sabino afirmou que não tem facilidade nem para escrever uma carta. E Paulo Mendes Campos disse quem tem facilidade para escrever não é escritor, é orador. Escrever é uma dura estiva de desembarcar idéias na folha branca, imaculada. É um desafio constante. É um constrangimento. Mas é isso que nos empurra para o desafio da escrita, para as situações criativas, para gerar histórias, poemas, textos. A criatividade surge da dificuldade, da necessidade de resolver um problema. Olavo Bilac, quando se punha a escrever, dizia que baixava um anjo diabólico e lhe sussurrava: hoje estás fadado a escrever sem inspiração. Escrever é trabalho, é cavar fundo na memória, é voar com a imaginação, é desvendar subterrâneos, desbravar galerias... reescrever...

GPT - Escrever é um exercício humano.
Giscar - Escrever é um exercício humano. Requer disciplina, disposição, ambição, uma boa dose de imaginação (a louca da casa), sensibilidade, ter uma dor de cotovelo, estar de bem com a vida (ou não...). E alguns quilômetros rodados. De preferência, desde a infância. Escrever é um exercício de liberdade. E de coragem: as palavras queimam. E é um exercício de solidão... mas que nos arranca de nós mesmos e nos leva ao encontro dos outros, do mundo, solidarizando-nos.

GPT - Louca da casa?
Giscar - "Louca da casa" é a expressão empregada por Santa Teresinha do Menino Jesus para referir a imaginação. Rosa Montero se apropriou da frase para dar nome a um de seus livros. A escritora madrilenha diz que imaginação é a louca fascinante que mora no sótão. Ser romancista (e escritor, e poeta, e...) é conviver feliz com a louca lá de cima. E não ter medo de visitar todos os mundos possíveis e alguns impossíveis".

GPT - Li, não lembro onde, que muitos romances, contos, poemas nascem de uma frase.
Giscar - É mesmo. Nascem de uma célula, de um ovinho, como costumo dizer. Esta célula pode ser uma emoção, um rosto, uma frase, um fato. Meu primeiro romance "Oásis" nasceu de uma frase "o sertão é dentro da gente... viver é muito perigoso".

GPT - O senhor escreve muito?
Giscar - Estou sempre escrevendo. Escrevo antes de deitar, dormindo, nas horas de insônia, quando acordo, quando passeio com meus cachorros... Eu escrevo mentalmente sempre. As frases, as idéias estão sempre borbulhando no meu sótão. E se não anoto a tempo...

GPT - Voltando à gênese de uma obra: da dor de perder também nasce a obra...
Giscar - A frase é do psicólogo Phillipe Brenot, autor de "O gênio da loucura". "... Nasce de uma experiência profunda, captada pela sensibilidade do artista que apreende momentos perturbadores da existência: as perdas, os danos, os enganos, os logros, os malogros, os desenganos, os segredos, os amores, os desamores, o nascimento, a vida, a morte, a opressão, a angústia, a náusea, o ser, o não-ser, o ciúme, a inveja, a ira, a solidão... Fazer literatura, ler literatura, é falar/ler sobre nós mesmos... sobre mim... sobre ti. Sobre o mundo. Da vida feita de angústias e felicidades.

GPT - A literatura é então conhecimento?
Giscar - A literatura é luz. É relâmpago que abre clareiras na treva. É trovão. Que pode sacudir as mentes, que lança chamas que incendeiam e clarificam a realidade. Escrever é, então, um ato maiêutico. É um ato solidário. É um ato libertador. É um ato político. É um ato de amor.

GPT - Muito obrigado!
Giscar - Obrigado a você.

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5.2.09

 

Só é útil o conhecimento que nos torna melhores.

Sócrates

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3.2.09

 

A escrita como terapia

Cursos de expressão criativa são uma área em expansão acelerada em todo o país


2009-01-24
por SÉRGIO ALMEIDA


De simples curiosidade a fenómeno de dimensões assinaláveis, os cursos e ateliês de escrita criativa transformaram-se, nos últimos anos, numa área em expansão crescente, com uma oferta ampla que não se esgota no Porto e em Lisboa.

"Mais baratos do que o psicanalista, embora não sejam comparticipados pela Caixa", como graceja Rui Zink, os cursos de escrita criativa ganharam uma expressão inimaginável até há poucos anos. A popularidade pode ser medida pela participação de escritores renomados, lançamento de vários livros - como os de Pedro Sena-Lino e Luís Carmelo - ou até a organização do primeiro campeonato nacional.

Motivos para tamanha pujança não faltam. Conceição Garcia, directora do ateliê Escrever Escrever, acredita que "o uso do correio electrónico, dos blogs e das mensagens por telemóvel" despertou o interesse pela escrita num número crescente de pessoas, mas destaca também "a abertura do mercado a novos escritores e a necessidade actual de formação contínua" como factores decisivos para o interesse.

Precursor, ao lado de Ana Hatherly, dos cursos de escrita criativa em Portugal, Rui Zink atribui esta necessidade "a uma sociedade fria e desalmada que faz com que as pessoas busquem cada vez mais alma". É por isso que a dimensão terapêutica da escrita surge destacada como uma das principais motivações dos cursos, à frente mesmo das ambições literárias dos participantes.

Conceição Garcia não concorda totalmente com esta ideia ("a terapia tem um lugar muito próprio que deve ser entregue a profissionais competentes"), mas admite que "escrever leva-nos a ter um novo olhar sobre o próprio e sobre os outros, o que é enriquecedor na autodescoberta e nas emoções".

"Operário da escrita", o autor vimaranense Pedro Chagas Freitas destaca também a importância da literatura (seja através da escrita ou da leitura) nesse "processo de auto-reconhecimento", gerador de "novas descobertas". No ateliê Fábrica de Escrita, dinamiza cursos que procuram ir além da vertente criativa, detendo-se também na engenharia do texto. "A grande dificuldade dos participantes é a de se encontrarem, de repente, perante aquilo que são - perante aquilo que podem, através do acto criativo, encontrar em si mesmos", defende o autor de "Mata-me", convicto de que "todos possuímos uma alma de escritores".

O crescimento da procura foi acompanhado pelo alargamento da oferta. A escrita criativa é apenas uma das largas dezenas de propostas existentes, que abrangem os argumentos para cinema, televisão, BD e teatro, as aulas de Português ou até, para os mais românticos, as fórmulas exactas para as cartas de amor.

Mesmo com os progressos registados nos últimos anos, Pedro Sena-Lino, escritor e director da Companhia do Eu, considera que o essencial continua por fazer. "Ainda temos escrita criativa como cátedra ou como mero curso de 'vamos partilhar coisas lindas'. Deveríamos criar uma escola própria, que resolvesse alguns dos problemas frequentes da nossa literatura, que são a falta de enredo ou o excesso de uma construção frásica com uma herança barroca reumática", critica.

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