Solange Pereira Pinto
Arte-educadora, arteterapeuta e coach
sollpp@gmail.com
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Comecei o magistério aos quatro anos de idade e me aperfeiçoei na atividade – lá pelos seis – quando troquei as bonecas riscadas de canetinha por alunos de verdade: as crianças da vizinhança. Em frente ao pequeno quadro de giz, com bolinhas coloridas para ensinar a contar, sentava no chão a meninada enfileirada e seus cadernos improvisados de folhas de jornal velho. Olhos atentos para o início da brincadeira. Um ditado aqui e um dever de casa ali estava pronta a diversão.

No faz de conta, a gente podia exercitar uma sala de aula deliciosa, na qual a professora era igual aos alunos e a conversa se costurava com a participação de todos, interrupções, risadas, improvisos até “bater o sinal” com a voz da mãe nos chamando para algo “mais sério” como tomar banho, jantar ou até mesmo fazer a lição escolar.


Eu pensava que ser professora era uma animada tarefa que juntava um monte de gente interessada em olhar na mesma direção, uns complementando os outros, até chegar o tempo de um adulto acabar a festa.
Décadas se passaram e eu, finalmente, entrei numa sala de aula para ser uma “educadora de verdade”. Ainda que as mãos estivessem meio geladas, a sensação me era tão familiar, tão confortável, que nem me senti principiante. Nunca mais parei, apesar de estranhar por vários momentos a “brincadeira” (até hoje), pois nem todo mundo está ali disposto a se “divertir”, como eu. Sabe quando o pai nos obriga a comer legumes, que fazem bem à saúde, mas há certa resistência? Então… Esse é outro assunto…

Voltando, descobri naquele primeiro dia de aula, diante de quase cinquenta alunos, numa aula de Leitura e Produção de Textos, após trabalhar dois turnos em outra profissão, que eu havia encontrado a senha para voltar a ser criança instantaneamente. Entusiasmada me emocionei. Ali estava uma vocação: convidar um monte de gente para olhar na mesma direção e falar, ouvir, falar, ouvir, falar – num quase sem fim – sobre isso e tal até enxergar de outro modo aquilo que aparentemente, tantas vezes, já se viu antes e somente juntos se pode ver além.

Sem mais filosofia, nesse ofício sei que posso me sentar no chão, com a mesma alegria da minha infância, e me entregar ao momento (que parece congelar) para contar descobertas, estimular a curiosidade, ouvir histórias, fazer amigos, inspirar e ser inspirada, entre tantos outros ganhos.

No fundo, não é nada disso! Eu vou lhe contar um segredo: esse foi apenas um jeito que encontrei para não me deixar envelhecer. Assim, posso renovar permanentemente as minhas sérias intenções de brincar, rir, aprender, interagir, compartilhar e me transformar até bater o último sinal.