24.11.10

 

Brincar para concentrar, aprender e criar


Vamos brincar?


Muitas páginas na internet dispõem de ferramentas para a gente brincar. Das antigas palavras cruzadas e quebra-cabeças até os mais conhecidos "brinquedos de fazer no papel" tais como jogo da velha, adedonha  ou até mesmo batalha naval, que atraem gente de toda idade, o mundo virtual virou uma imensa brinquedoteca para ninguém reclamar. Tem de tudo! Inclusive, sites que criam selos, imagens, avatares, manipulam fotos, trocam cenários são muito divertidos. A dica de hoje é o site Gross out  http://www.getgrossedout.com/

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20.11.10

 

Felicidade e alegria

por Contardo Calligaris




Ser alegre (muito melhor do que ser feliz) é gostar de viver mesmo quando a vida nos castiga


Quando era criança ou adolescente, pensava que a felicidade só chegaria quando eu fosse adulto, ou seja, autônomo, respeitado e reconhecido pelos outros como dono exclusivo do meu nariz.

Contrariando essa minha previsão, alguns adultos me diziam que eu precisava aproveitar bastante minha infância ou adolescência para ser feliz, pois, uma vez chegado à idade adulta, eu constataria que a vida era feita de obrigações, renúncias, decepções e duro labor.

Por sorte, 1) meus pais nunca disseram nada disso; eles deixaram a tarefa de articular essas inanidades a amigos, parentes ou pedagogos desavisados; 2) graças a esse silêncio dos meus pais, pude decretar o seguinte: os adultos que afirmavam que a infância era o único tempo feliz da vida deviam ser, fundamentalmente, hipócritas; 3) com isso, evitei uma depressão profunda pois, uma vez que a infância e a adolescência, que eu estava vivendo, não eram paraíso algum (nunca são), qual esperança me sobraria se eu acreditasse que a vida adulta seria fundamentalmente uma decepção?

Cheguei à conclusão de que, ao longo da vida, nossa ideia da felicidade muda: 1) quando a gente é criança ou adolescente, a felicidade é algo que será possível no futuro, na idade adulta; 2) quando a gente é adulto, a felicidade é algo que já se foi: a lembrança idealizada (e falsa) da infância e da adolescência como épocas felizes.

Em suma, a felicidade é uma quimera que seria sempre própria de uma outra época da vida - que ainda não chegou ou que já passou.

No filme de Arnaldo Jabor, "A Suprema Felicidade", que está em cartaz atualmente, o avô (extraordinário Marco Nanini) confia ao neto que a felicidade não existe e acrescenta que, na vida, é possível, no máximo, ser alegre.

Claro, concordo com o avô do filme. E há mais: para aproveitar a vida, o que importa é a alegria, muito mais do que a felicidade. Então, o que é a alegria?

Ser alegre não significa necessariamente ser brincalhão. Nada contra ter a piada pronta, mas a alegria é muito mais do que isso: ser alegre é gostar de viver mesmo quando as coisas não dão certo ou quando a vida nos castiga. 

É possível, aliás, ser alegre até na tristeza ou no luto, da mesma forma que, uma vez que somos obrigados a sentar à mesa diante de pratos que não são nossos preferidos ou dos quais não gostamos, é melhor saboreá-los do que tragá-los com pressa e sem mastigar. Melhor, digo, porque a riqueza da experiência compensa seu caráter eventualmente penoso.

Essa alegria, de longe preferível à felicidade, é reconhecível sobretudo no exercício da memória, quando olhamos para trás e narramos nossa vida para quem quiser ouvir ou para nós mesmos. Alguém perguntará: é reconhecível como?

Pois é, para quem consegue ser alegre, a lembrança do passado sempre tem um encanto que justifica a vida. Tento explicar melhor.

Para que nossa vida se justifique, não é preciso narrar o passado de forma que ele dê sentido à existência. Não é preciso que cada evento da vida prepare o seguinte. Tampouco é preciso que o desfecho final seja sublime (descobri a penicilina, solucionei o problema do Oriente Médio, mereci o Paraíso).

Para justificar a vida, bastam as experiências (agradáveis ou não) que a vida nos proporciona, à condição que a gente se autorize a vivê-las plenamente.

Ora, nossa alegria encanta o mundo, justamente, porque ela enxerga e nos permite sentir o que há de extraordinário na vida de cada dia, como ela é.

É óbvio que não consegui explicar o que são a alegria e o encanto da vida. Talvez eles possam apenas ser mostrados: procure-os em "Amarcord" (1973), de Federico Fellini, em "Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas" (2003), de Tim Burton ou no filme de Jabor. "A Suprema Felicidade" me comoveu por isto, por ter a sabedoria terna de quem vive com alegria e, portanto, no encantamento.

Segundo Max Weber (1864-1920), a racionalidade do mundo industrial teria acabado com o encanto do mundo. Ultimamente, bruxos, vampiros, lobisomens, deuses e espíritos andam por aí (e pelas telas de cinema); aparentemente, eles nos ajudam a reencantar o mundo.

Ótimo, mas, para reencantar o mundo, não precisamos de intervenções sobrenaturais. Para reencantar o mundo, é suficiente descobrir que o verdadeiro encanto da vida é a vida mesmo.
ccalligari@uol.com.br

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18.11.10

 

Dicas para um texto criativo

Originalidade inspirada pelo cotidiano
Profissionais da escrita revelam as estratégias para quem deseja tirar boas ideias do dia a dia para escrever um texto criativo

por Carmen Guerreiro - Revista Língua

A busca por fontes de inspiração já levou um sem-número de profissionais da escrita à loucura ante uma folha de papel ou tela em branco, à espera de um estopim criativo que desse início a um texto sagaz e estimulante. A resposta para a origem de boas ideias, no entanto, pode estar mais próxima de nós do que imaginamos: no cotidiano.

Segundo a psicóloga Denise Bragotto, pesquisadora em criatividade e escrita criativa, a explicação é até simples. A inspiração não é necessariamente um insight, uma revelação que surge a partir do nada. É um exercício de observação meticulosa e criteriosa do mundo a nossa volta e, enfim, a tradução dos fatos do dia a dia em um bom texto.

- Podemos beber das mais variadas fontes para encontrar ideias, porém é preciso ser um observador atento do mundo, saber acolher as ideias, mesmo que pareçam absurdas ou ridículas, e ter ampla bagagem de conhecimento sobre assuntos variados - afirma Denise.

Porque é preciso transpirar para se inspirar, a arte da "centelha de gênio" não é um dom, mas algo que podemos treinar. Segundo o publicitário Edson Marzo, redator na agência Estação Primeira e professor da disciplina criação/redação publicitária no curso de publicidade e propaganda da FAAP, é preciso estar alerta e sempre prestar atenção na matéria-prima que o cotidiano oferece.

De acordo com Marzo, existe sempre uma forma de surpreender e seduzir, de uma maneira inusitada, ao contar uma história que todos já conhecem.
- Ninguém reinventa a roda - diz.

Por isso, ele anda pelas ruas de ouvidos e olhos bem abertos, e lê até bula de remédio.

- Precisamos estar preparados para receber todas as informações, atentos e registrando tudo. Não podemos ter preconceito, porque a gente nunca sabe de onde pode vir a próxima ideia. Na publicidade, por exemplo. Se eu for chamado amanhã para fazer uma propaganda sobre sabão em pó, preciso ter uma bagagem para saber quem é o consumidor que compra esse produto, do que conversa, qual é o seu vocabulário, como se veste, como recomendaria o sabão para uma amiga etc. - observa.

Centelha
Para Verissimo, o cotidiano é sempre germe do texto, mas desempenho depende do animo

A dica, no entanto, não funciona só no ramo da publicidade. O escritor e cronista Luis Fernando Verissimo afirma que a inspiração está por toda parte.

- Às vezes uma frase ouvida na rua pode detonar um processo de criação que vai acabar numa crônica. Às vezes é um assunto que está no ar e você quase que se obriga a comentar. Às vezes é pura invenção. Não há lugares ou situações que inspirem mais do que outros - aponta o escritor.

Uma das fontes de ideias para o romancista Moacyr Scliar é sua outra profissão, a de médico.

- A vivência da medicina me proporciona abundante inspiração, porque sua prática significa mergulhar na condição humana de uma forma até certo ponto privilegiada, já que, quando uma pessoa está muito doente, todas aquelas máscaras que costumamos usar no cotidiano caem e a pessoa se revela tal como é. Para um escritor, essa é uma oportunidade verdadeiramente única - explica.

Vivência
Para Scliar, é preciso buscar situações curiosas e emocionantes que ilustrem uma história

Para escrever um romance, Scliar afirma que suas fontes são mais amplas, por exemplo, um episódio da História, um personagem marcante, uma passagem da Bíblia - que consulta não com fins religiosos, mas de estudo. Quando o texto não é ficcional, sua matéria-prima criativa é o jornal.

- Busco situações inusitadas, curiosas, emocionantes que possam gerar uma história - conta.


Segundo Luis Fernando Verissimo, é fato que o cotidiano é uma fonte rica de inspiração, mas não existe receita para traduzir uma boa ideia em um texto criativo.

- O evento ou a ideia serve como germe da crônica, mas como o texto vai se desenvolver depende da disposição do autor no momento, do seu tempo ou falta de tempo etc.

Como acontece com qualquer tipo de semente, você só vai saber o que era quando a planta crescer. No caso, quando a crônica ficar pronta - afirma.

Apesar dos fatores mencionados pelo cronista, alguns especialistas e profissionais que trabalham com a escrita em seu dia a dia reuniram, nas próximas páginas, algumas dicas de como aproveitar fatos da nossa rotina para escrever um texto instigante.

Ler muito e acumular conhecimento
Não é segredo dizer que quem lê mais tem mais ferramentas para escrever melhor. Para o escritor Moacyr Scliar, ler textos científicos como médico o ajudou ao longo dos anos a escrever de maneira mais estimulante.

- O texto médico se caracteriza pela objetividade, pela síntese, pela necessidade de transmitir informações importantes em poucas linhas - aponta.

A leitura permite que o escritor forme uma bagagem cultural e de conhecimentos gerais que é essencial para redigir um texto criativo.

- Para construir uma obra a pessoa precisa de visão de mundo, crítica, experiência. É preciso estudar muito para entender o que acontece no planeta com visão crítica e saber traduzir isso para o seu trabalho - diz o cartunista André Dahmer, autor da tirinha Malvados. 

Contar fatos banais de forma interessante
O trunfo de inspirar-se no cotidiano é saber extrair uma ideia original de uma situação que parece, muitas vezes, banal.

- Fernando Sabino escreveu uma crônica na qual ele está num restaurante e entram três pessoas de origem humilde: um homem, uma mulher e uma criança. Eles se sentam à mesa com um bolo pequeno, e descobrimos que se trata do aniversário da menina. Isso proporciona ao cronista um comentário que mobiliza as emoções, sentimentos e ideias do leitor para que ele veja o cotidiano de outra maneira, pois provavelmente outras pessoas que estavam no restaurante naquele momento não escreveram nem repararam na situação, mas ao escrever sobre o ocorrido ele mobilizou o sentimento dos leitores para que tivessem uma visão nova de uma realidade aparentemente banal - conta Moacyr Scliar.

Lembrando-se de Fernando Pessoa, a psicóloga Denise Bragotto diz que "a realidade é inspiradora, desde que haja sensibilidade para captar a riqueza das coisas que parecem insignificantes".

Usar o senso comum de forma criativa
A roteirista Cristina Fonseca, escritora e cinevideodocumentarista, professora de roteiro do Senac-SP e do curso de cinema da Casa das Rosas, acredita que quem escreve não pode ter medo de lidar com o senso comum, mas tentar sempre transformá-lo em algo singular.

- É preciso tentar ir para o incomum, para o extraordinário. A realidade em uma obra, para ser forte tanto quanto ela é no real, sempre tem de ser traduzida por uma emoção forte. Se você está falando de uma guerra, pode usar uma escada cheia de sangue, por exemplo - afirma.

Uma rosa, segundo a roteirista, é um clichê, mas pode ser usada da maneira certa para despertar emoções que fogem do senso comum. 

Aguardar o melhor momento, lugar e estado de espírito para trabalhar
Não estamos no nosso pico de criatividade 24 horas por dia. É por isso que quem escreve deve estar atento ao seu humor, ao local e em que situação vai redigir o texto.

- Nunca entendo esses rapazes de São Paulo que se definem como criativos mas trabalham o dia inteiro confinados em uma sala de escritório - exemplifica o cartunista Dahmer. Ainda que trabalhe com prazos e horários, ele segue um método que chama de "pescaria".

- É uma janela de inspiração, como um campeonato de surfe de ondas grandes, que precisa durar 20 dias para pegar as melhores ondas e o melhor mar. Às vezes minha janela dura três dias, às vezes uma semana. Preciso esperar o melhor momento - conta.

Para estimular a própria criatividade, Dahmer gosta de pedalar, o que considera uma meditação.

- A bicicleta esvazia minha cabeça de todo o raciocínio lógico, que é diferente da pressão de estar sentado em frente a um computador. Acho mais importante esvaziar a cabeça para fazer um bom trabalho do que enchê-la de referências - opina.

Usar figuras de linguagem
- Precisamos traduzir a realidade por metáforas, metonímias e sinédoques - analisa a roteirista Cristina Fonseca.

Ela defende que se referir a fatos cotidianos por meio de figuras de linguagem os torna mais instigantes. Em vez de algo que é vermelho, por exemplo, poderíamos associar o conceito à violência, à paixão, à luxúria.

- Uma metáfora vale muitas vezes mais do que mil palavras, então um artifício importante é saber transformar mil palavras em uma metáfora - diz.

Estar aberto a novas experiências
De acordo com a psicóloga Denise Bragotto, é comum jornalistas e escritores passarem deliberadamente por vivências específicas com a finalidade de buscar inspiração para o seu trabalho.

- Lembro-me particularmente de uma experiência contada por um ex-aluno. Com o objetivo de produzir um texto criativo, posicionou-se num semáforo para oferecer dinheiro aos motoristas que trafegavam pelo local. Essa perspectiva incomum serviu como fonte inspiradora para um texto interessante, crítico e divertido - conta.

A consultora Gisela Kassoy, especialista em criatividade, inovação e adoção de mudanças, sugere que, como fonte de inspiração, o escritor converse com pessoas distantes de sua realidade, com valores e hábitos bem diferentes, "mas olhar com curiosidade, sem julgar".

- É importante buscar sempre o que há de diferente entre situações parecidas, sem categorizar coisas semelhantes em valas comuns. A chave é ser curioso. Observar o cotidiano com olhos novos é essencial, como se fôssemos marcianos. As descobertas são impressionantes. Se não funcionar, pode-se tentar mudar a rotina, passar a observar (e de preferência viver) o cotidiano de outros - afirma. 

Ser um observador atento
A chave principal para encontrar boas ideias no cotidiano é ser um bom observador e estar sempre atento. Sem isso, nos fechamos para pessoas e acontecimentos aparentemente triviais, mas com grande valor para um texto. O publicitário Edson Marzo observa que a ideia inspiradora pode vir quando a pessoa estiver em qualquer lugar, pode ser o cinema, lendo o jornal, conversando com os amigos.

- Se, no caso da publicidade, você precisa vender um serviço bancário, onde está sua
fonte de informação? Pode ser em um café, quando você ouvir alguém reclamando ou com uma dúvida - diz.

André Dahmer conta que às vezes passa a noite conversando com amigos e sente que perdeu o tempo em que poderia ter trabalhado em três tirinhas.

- Mas a verdade é que o exercício criativo daquela situação é material de trabalho. Só tomo o cuidado para não perder o registro de tudo. Pego a essência da ideia e, chegando em casa, desenvolvo - explica. 

Anotar ideias
Ter uma boa ideia e perdê-la por ter esquecido de registrá-la é um desperdício. Por isso a especialista em criatividade Gisela Kassoy alerta que é essencial anotar tudo o que vier à mente, como um brainstorm individual e por escrito.

- Se for o caso, pode deixar um caderninho perto do chuveiro. Num segundo momento, o ideal é colocar tudo no computador, sem grandes preocupações em relação à qualidade do texto. Finalmente, a pessoa deve redigir cuidando da forma. Se empacar, responda a si mesmo: "O que eu quero dizer com isso?" e, se não tiver certeza se o texto está bom, leia-o em voz alta - sugere.

Exercícios para estimular a criatividade
Gisela Kassoy realiza workshops de criatividade em empresas e sugere que as pessoas desafiem todo o seu conhecimento de mundo, passando a questionar o porquê de tudo o que sabem, até mesmo de questões aparentemente óbvias.

- Para um bebê, ver seu pai andar pode parecer tão óbvio ou tão mágico quanto vê-lo voar. Com dois anos de idade, qualquer criança já sabe que seu pai não voa. Ou seja, as pessoas acreditam que sabem tudo o que não vai dar certo. Recomendo um pouco desse olhar de bebê - diz.

Em consequência, as pessoas podem encontrar tesouros como matéria-prima para seus textos onde achavam que só havia trivialidade. A chave é procurar maneiras de enxergar tudo aquilo que consideramos saber sob uma nova perspectiva. Caso a tarefa pareça muito complicada para cumprir individualmente, existem hoje diversos cursos de escrita criativa que desafiam e estimulam os participantes dessa forma.

10 Aprender a filtrar o excesso de informações
- Já faz 17 anos que escrevo para o jornal Folha de S.Paulo e nunca me faltou inspiração. Ao contrário, meu problema é escolher entre várias possibilidades - revela o escritor Moacyr Scliar.

Na era da comunicação o difícil muitas vezes não é encontrar matéria-prima para um texto, e sim saber separar o que pode ser útil do que não é.

- Excesso de informação não é qualidade, é quantidade. Em um roteiro, menos é mais. Às vezes basta um depoimento para dizer tudo o que a gente quer dizer - aponta Cristina Fonseca.

Denise Bragotto olha pelo lado positivo: quanto maior a quantidade de ideias, maior é a chance de encontrar uma boa inspiração. Basta fazer exercícios de seleção do que vale ou não.

- Os exercícios de geração de ideias, como brainstorms, são indispensáveis quando se fala em criatividade. Eles abrem espaço para novas possibilidades e para a fermentação das ideias, antes de selecionar aquelas que têm maior potencial para compor o texto. A seleção de ideias requer pensamento convergente, que é lógico, objetivo e racional - ensina. 

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13.11.10

 

Adélia Prado entre aspas

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Comercial de Washington Olivetto

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Mitos e verdades



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Revista Brasileiros entrevista Marcelino Freire

Militante das letras

Às vésperas de mais uma Balada Literária, comprometido com oficinas onde garimpa e lapida novos autores, o incansável Marcelino Freire anuncia a criação de seu selo Edith 
Fonte: Revista Brasileiros (http://www.revistabrasileiros.com.br/edicoes/39/textos/1192/)

Contos Negreiros, coletânea publicada em 2006 pela editora Record, rendeu o Prêmio Jabuti do mesmo ano ao pernambucano Marcelino Freire, 43 anos. Para o jovem escritor que debutava em uma grande editora - após abrir os olhos do mercado com seu livro anterior, Angu de Sangue -, tal façanha poderia pressupor alguma soberba, mas Freire se diz desprendido de tais honrarias e desafeito a celebrações frívolas.

Um dos principais nomes da chamada Geração 90 - grupo que revelou autores como Marcelo Mirisola, Marçal Aquino e Fernando Bonassi -, Freire fez questão de deixar seu troféu Jabuti em uma estante da Mercearia São Pedro, ponto de encontro desses escritores e de gente envolvida com cultura, no coração da Vila Madalena, em São Paulo. "Deixei lá, pois aquele é um lugar que tenho grande relação afetiva e porque não quero me tornar um Jabuti, nem pretendo fazer dele um símbolo de comodismo ou obsessão." Essa mesma indiferença aos holofotes do mercado literário o afastou da FLIP 2010. A desistência de participar da feira literária em Paraty rendeu capa do caderno "Ilustrada" da Folha de S. Paulo, e calorosas discussões sobre o significado de sua ausência.

Envolvido com o lançamento da Edith, nova editora que começará a funcionar a todo vapor em novembro de 2010, Marcelino diz não ter tempo a perder com bravatas inúteis. Como um militante das letras, desdobra-se para fazer acontecer o novo selo, apadrinha e abre trincheiras do mercado editorial para um sem número de novos autores, ministra palestras em oficinas literárias na periferia de São Paulo e ainda encontra tempo para sua própria produção. Incansável, diz estar sempre tomado pela impressão de que tem muito a fazer por si e pelos outros. "É muito feio achar que chegamos. O achar que já chegamos é o fim. Quando percebo que estou indo muito a coquetéis e reuniões frívolas, fico preocupado. Me entusiasmo mesmo é em saber que tenho mais uma Balada Literária por fazer, que tenho oficinas, que faço por mim e que ajudo outros a fazerem coisas realmente produtivas."

A quinta edição da Balada Literária, que acontecerá entre 18 e 21 de novembro, em locais como a Livraria da Vila, o Sesc Pinheiros e o Instituto Goethe, homenageará a escritora Lygia Fagundes Telles e será palco de lançamento da Edith. Ironicamente, o cenário onde essa nova literatura ou uma provável "Geração 10" pretende dar as caras foi influenciado pelo advento da FLIP, como admite Marcelino ao falarmos da polêmica: "Não compactuo com os rumos que a FLIP tomou, mas faço questão de enfatizar que a Balada Literária surgiu impulsionada pela FLIP. Iniciativas pontuais, como essas, são essenciais". Confira trecho da entrevista com Marcelino Freire acerca do lançamento da Edith, que debutará com a coleção Que Viagem, na qual satiriza a série Amores Expressos, da Cia. das Letras, em que autores escreviam de diferentes pontos geográficos. Marcelino vai encaminhar seus contratados a lugares como BeleléuCasa do Chapéu e Onde Judas Perdeu as Botas.

Brasileiros - Você chegou a São Paulo em 1991, aos 23 anos. Conte um pouco como foi sua infância e juventude no nordeste.
Marcelino Freire - Nasci em Sertânia, filho caçula de nove irmãos. Com 3 anos fui para Paulo Afonso, na Bahia. Curiosamente, como a cidade tem uma grande hidrelétrica, minha lembrança não é de seca, é de água abundante e cachoeiras. Saí de lá aos 8 anos, e fomos para Recife, onde fiquei até os 23 anos. Estou aqui há 19.

Brasileiros - E em Recife, você já escrevia?
M.F. -- EEm Recife, eu produzia para teatro amador. Agitava um grupo de poesia também. Vim para São Paulo, em 1991, e abandonei as pretensões de dramaturgo. Descobri que não tinha muito talento para a carpintaria que o teatro exige. Coisas primárias, banais, que eram muito difíceis para mim, como determinar a entrada e a saída de um personagem. O que aconteceu é que, depois de publicar meus contos, eles passaram a ser adaptados para teatro.

Brasileiros - E como foi essa experiência com teatro? Chegou a realizar trabalhos profissionais?
M.F. - Não tinha dinheiro para produzir as peças, mas pedia ajuda para um ou outro comerciante, e as coisas aconteciam. Tinha o sonho de me apresentar no Teatro de Santa Isabel, o mais tradicional da cidade, e as pessoas me zombavam: "Como é que você vai se apresentar lá, com esse teatro amador?!". Não me abalava, afinal de contas, não tinha perguntado nada a ninguém. Até hoje carrego comigo essa coisa de fazer a qualquer preço, sem ter aquela noção proibitiva de "saber onde estou me metendo". É uma característica que trago desde a adolescência.

Brasileiros - E como surge a decisão de vir para São Paulo? 
M.F. - Cansado de Recife, vim sozinho para São Paulo. Um amigo vivia me convidando para vir e duvidava que eu viesse. Um belo dia criei coragem e decidi vir. Cheguei, e ele estava doente. Não estava em casa e não pôde me receber. Uma semana antes já me sentia inseguro, desconfiava que pudesse ficar na mão, pois seu estado de saúde era muito instável. Mobilizei um plano B, e um outro amigo meu, Ivan Cabral, me recebeu no Jardim Aricanduva, no extremo leste da cidade. Fui morar em uma edícula no fundo da casa dele. Curioso me lembrar disso agora, pois na última quinta-feira, tive o terceiro encontro de uma oficina que estou coordenando na biblioteca Milton Santos - justamente em Aricanduva - e refiz esse trajeto, depois de muitos anos. Não dirijo e peguei um ônibus errado, uma van que imaginei que me deixaria no Shopping Aricanduva, que fica ao lado da biblioteca, e me dei mal. A van rodou a Zona Leste inteira e acabei passando pela esquina da Rua Luiz Gonzaga, onde eu morava. Me fez lembrar muito de meus primeiros dias em São Paulo.

Brasileiros - A Zona Leste de São Paulo concentra alguns dos bairros mais carentes da cidade, como o próprio Aricanduva, e Recife também tem periferias muito hostis. Como era o ambiente onde morava em Recife? 
M.F. - Morei na Água Fria, um bairro muito carente. Minha querida mãe, que partiu esse ano, sempre morou na Água Fria. Então, periferia por periferia, já convivia com esse ambiente há muito tempo. Água Fria é o penúltimo bairro do Recife. O último é o Fundão e depois vem Olinda, cujo primeiro bairro é Peixinhos. Todos eles formam uma periferia muito miserável e esquecida. Não que eu queira dizer: "Oh, vim de um lugar miserável". Essa é uma realidade inegável, mas é curioso, pois conheci muitas pessoas que preferiam negá-la e dizer: "Não, não moro na Água Fria, moro no Arruda", um bairro vizinho, que é um pouquinho melhor. Minha mãe viveu ali, e criou dignamente todos os nove filhos. Somente no final da vida é que foi morar no Arruda.

Brasileiros - E você acha que o contato próximo com essa realidade confere maior autenticidade quando se vai escrever sobre as mazelas das grandes urbes? 
M.F. - Não creio que isso seja suficiente. Às vezes, o cara mora em um lugar desses, mas não consegue enxergar e retratar nada daquilo. Ou então acontece o contrário. O cara é muito rico, vem de uma família abastada, mas tem uma visão de mundo específica, apurada e sensível. Chico Buarque, por exemplo, vem de uma das famílias mais tradicionais do País, mas a maneira como ele retrata o outro em suas músicas é muito generosa e honesta. Uma questão mais de visão de mundo do que de origens.

Brasileiros- Em Recife, quais trabalhos formais você exerceu? 
M.F. - Trabalhei em um banco, e a área de recursos humanos procurava avaliar as aptidões das pessoas para redirecioná-las. Viram que eu era bom em português e fui transferido para o departamento de normas, onde havia revisores e redatores. Revisava minutas, comunicados internos, circulares, laudas, atas de reunião, cartas da presidência. Entrei como office boy, fui escriturário e passei a revisor. Em paralelo, comecei a cursar Letras, na Universidade Católica, mas não concluí o curso. Estava inquieto demais, querendo vir para São Paulo.

Brasileiros- Daí que você decide vir para São Paulo, em 1991. Como foi sua chegada? 
M.F. - Chegando a São Paulo, comecei a procurar trabalho em editoras, mas soube que as agências de propaganda pagavam muito mais, e precisava me estabelecer. Quase entrei na editora Círculo do Livro. Fiz testes, e fui aprovado, mas dias antes já tinha sido contratado por uma agência de publicidade e tinha feito, inclusive, os exames médicos admissionais. A agência pagava mais e preferi ficar por lá.

Brasileiros - E você não foi assediado para trabalhar como redator publicitário? 
M.F. - Trabalhei por 13 anos como revisor para essa agência. Não quis ser redator publicitário, não me via entrando em uma área de criação tão tolhida. Meu juízo criativo estaria constantemente colocado em cheque. Preferi ficar na revisão, pois podia exercitar minha paixão pela língua portuguesa. Então, entre a revisão do texto de um anúncio de atum ou de um novo veículo, ia escrevendo meus contos. Nunca deixei de produzir e, de uns quatro anos para cá, posso dizer que vivo só de literatura.

Brasileiros - E como foi possível viabilizar a publicação de seus textos nesse começo? 
M.F. - Em 1995, estava muito angustiado, pois produzia meus contos e não enxergava a menor possibilidade de publicá-los, até que um dia tive um insight. Trabalhava com diretores de arte, produtores gráficos, todos amigos meus, e concluí: "Vou fazer meu livro por aqui mesmo!". Fui articulando as pessoas até que consegui publicar de forma independente. Dei o nome de Acrústico. Volta e meia, encontro exemplares nos sebos da vida e faço questão de comprá-los. Compro até de quem comprou. Faço tudo para tirá-lo de circulação.

Brasileiros - Sério? O livro te constrange? 
M.F. - Não, exatamente, pois é natural que fosse algo incipiente, mas reconheço que já havia algo ali. Acho que o mais importante foi tirar tudo aquilo da gaveta. Com isso, me animei, e comecei a preparar a publicação de um segundo livro de contos. Um projeto que custaria caro para fazer, pois tinha texto e fotografias. Desisti e tive a ideia de fazer, em 1998, o EraOdito, um livro de aforismos, que caiu no gosto das pessoas. Passei quase dois anos rodando o País para divulgá-lo e, em 2000, decidi fazer um novo livro de contos. Tive a sorte de conhecer João Alexandre Barbosa, um crítico literário muito importante, falecido em 2006, grande estudioso da obra de João Cabral de Melo Neto e colunista da revista Cult. João gostou muito dos meus contos e me indicou para a Ateliê Editorial. Não só me recomendou à editora, como depois escreveu o prefácio do livro, e o publicou na revista Cult. Um cara de uma generosidade sem tamanho.

Brasileiros- Estamos falando da coletânea de contos Angu de Sangue. Como foi a recepção e qual a importância desse momento para sua carreira? 
M.F. - Com essa chancela da Ateliê, e do João Alexandre, despertei interesse da imprensa. O Estadão, a Folha de S. Paulo, e outros veículos, começaram a abrir os olhos para minha produção. De alguma forma, isso converge com meu sonho de adolescente de ir ao Teatro de Santa Isabel. Era a concretização de um outro sonho abusado meu, que também era visto com descrença por muitos.

Brasileiros- E agora que você vai realizar o mesmo sonho de jovens autores por intermédio da Edith, selo que lançará em novembro, como se sente? 
M.F - Sobretudo, acho muito bonito acompanhar o nascimento da Edith, por ver esses talentos todos reunidos. Gente muito jovem que estava precisando de um norte, mas é bom que se diga que não fui eu quem os articulei. Eles é que se envolveram e enxergaram que tinham de passar por esse processo de fazer as coisas acontecerem, para não se tornarem eternos "bundões". Eles têm entendido esse recado, pegado a bola e jogado esse jogo muito animadamente.

Brasileiros- Como surgiu a ideia do selo? Era um desejo antigo? 
M.F. - Sim, era um desejo antigo, mas o grande estalo, a ideia matriz, surgiu enquanto assistia a uma matéria na TV Cultura e vi uma senhora de 75 anos, que há 50 trabalha como modelo vivo. Fiquei impressionado com a história dela e tive a ideia de convidá-la para que as pessoas a observassem posando e, ao invés de pintá-la ou fotografá-la, escrevessem sobre ela. A coletânea ganhará o nome de Mamãe, Eu Só Vim Aqui Fazer uma Visita Rápida, reunirá 11 autores, como Vera Fraga, Felipe Valério e Felipe Arruda, e terá fotos de Fernanda Grigolin.

Brasileiros- E como funcionará a estrutura de distribuição da Edith? 
M.F. - Nosso grande parceiro nesse projeto é o Vanderley Mendonça, das editorasDemônio Negro e Dix. Vanderley entrará no projeto como editor. Estamos montando a página para comercialização pela internet, registrando os títulos, negociando pontos de venda em livrarias, mas não temos a ilusão de que esses livros se tornarão best sellers. Não acredito que o êxito de um projeto editorial esteja atrelado a uma distribuição significativa. As pessoas podem estar aqui, em São Paulo, em Teresina ou em Porto Alegre e não será simplesmente a distribuição que irá fazer com que esses livros cheguem até elas. É o interesse delas que as aproximará desses novos autores. Existe uma vertigem em achar que uma editora mais forte pode galgar lugares mais nobres no mercado, mas não é isso que pretendemos. Queremos, sim, é fazer com que esses autores publiquem. Para eles e para nossa literatura isso é algo realmente importante. Há leitores e corações muito específicos. Tem pessoas que me acompanham desde 1995 e nunca tiveram dificuldade para encontrar meus livros.

Brasileiros- Poderíamos dizer então que, mais do que os meios, te interessam mesmo os fins. Ter o prazer de encontrar leitores verdadeiramente apaixonados? 
M.F. - Vou te dar um exemplo claro. Estive em um show com a cantora Fabiana Cozza na semana passada e conheci o rapper Emicida. Um cara que compõe suas bases, escreve suas letras, produz seu disco, articula seus colaboradores, não enxerga barreiras e faz as coisas acontecerem. Esse exemplo do Emicida é muito pontual para mim, pois é lindo ver alguém tomado por essa força de fazer, e é muito feio achar que já chegamos. O achar que já chegamos é o fim. Quando percebo que estou indo muito a coquetéis e reuniões frívolas, fico preocupado. Me entusiasmo mesmo, é em saber que tenho mais uma Balada Literária por fazer, que tenho oficinas, que faço por mim e que ajudo outros a fazerem coisas realmente produtivas.

Brasileiros- Já que falamos em música, conte um pouco sobre suas predileções musicais. Você nasceu em 1967, ano mágico para o rock. Imagino que ouça rock. 
M.F. - Gosto de rock, mas, por conta de meu gosto pela língua portuguesa, ouço muita MPB. Gosto do Dorival e da Nana Caymmi. Gosto do bom Caetano, do bom Chico, de Luiz Gonzaga. Dos artistas mais jovens, gostava muito do Cordel do Fogo Encantado e considero o último disco do Otto, o disco da vida dele. Tenho também uma predileção por cantoras, e fico de ouvidos abertos às novas intérpretes, mas não gosto de uma certa assepsia dessas "cantorinhas" de hoje. Tem muita gente ruim, muita chatice sem nenhuma entrega. Tudo muito superficial. Cantora bonitinha, cabelo bonitinho, roupa bonitinha. A indústria está desesperada atrás de uma nova Marisa Monte. Vejo uma infinidade de matérias falando sobre as novas musas, as novas divas da MPB, mas não acredito que beleza cante. Mercedes Sosa, que é o oposto disso, quando morreu, quase morri junto com ela. Não gosto de coisas frígidas. O único cantor aparentemente "frígido" de que gosto - pois canta baixinho, introspectivo, mas carrega a mesma melancolia e a mesma beleza - é João Gilberto.

Brasileiros- Esse consenso de que essas cantoras nasceram para ser divas, muitas vezes surge de pactos afetivos entre artistas e uma imprensa que não sabe manter distanciamento crítico. Você não acha que, ao se envolver com tanta gente que também produz literatura, corre o mesmo risco? Como ser imparcial tendo ligações tão fortes com esses autores? 
M.F - Nas oficinas de literatura que ministro, procuro saber o que cada um tem de melhor. Não deixo de criticá-los. Sou chato, mas ao mesmo tempo mostro o caminho. Evidencio as qualidades e aponto as deficiências. Quanto aos amigos autores, acompanho produção, vou aos lançamentos, celebro as novidades, mas é lógico que conversamos diretamente, quando discutimos qualidade. Tenho muitas conversas com a Ivana de Arruda Leite, com o Joca Rainers Terron, discuto essas questões com a Andrea del Fuego, com o Ronaldo Bressane, por exemplo. Conversas francas, onde apontamos nossos pontos altos e baixos. Um distanciamento que procuro levar onde quer que eu esteja. Na Cooperifa, por exemplo, tem garotos que escrevem uma poesia e acham que o simples fato de ser alguém surgido ali lhe confere qualidade. Agora, uma coisa que faço sempre questão, é respeitar a todos. Esse é um País que lê muito pouco, dá pouco valor a literatura, e estamos todos no mesmo barco. Não importa se você esteja produzindo na Vila Piraporinha ou na Mercearia São Pedro, na Vila Madalena.

Brasileiros- A propósito, soube que você abandonou o troféu do Prêmio Jabuti, que ganhou em 2006 por Contos Negreiros, na Mercearia São Pedro. O que te motivou a fazer isso? Puro desprendimento? 
M.F. - Deixei lá, pois aquele é um lugar que tenho grande relação afetiva e porque não quero me tornar um Jabuti, e nem pretendo fazer dele um símbolo de comodismo ou obsessão.

Brasileiros- Voltando à questão da imparcialidade, poderia apontar algum escritor com quem você tenha boas relações pessoais, mas tenha ressalvas com relação à obra? 
M.F - Diria que, hoje, Marcelo Mirisola é um bom exemplo. Apesar de todas as brigas dele, todas as polêmicas que ele levanta, serei sempre seu leitor e fã confesso. De uns tempos para cá, ele parou a produção dele para ficar mandando recados a seus desafetos via livro. Mandou recado até para mim. O que digo?: "Mirisola, toma juízo!". A literatura em si já é um ponto de posicionamento. Adoro O Herói Devolvido e Bangalô. Acho que o Mirisola imprime muita personalidade em seus textos, desenvolve uma gramática muito específica, mas vem perdendo o tom, porque estacionou a literatura dele para ficar enviando recados. Continuo sendo um leitor dele e esperando que ele volte a sua melhor forma.

Brasileiros- Em contrapartida, algum outro nome que esteja bem cotado tanto nas relações pessoais, quanto na qualidade da produção? 
M.F. - Joca Rainers Terron tem caminhado para uma verdade que vi muito presente em Curva de Rio Sujo. Nesse livro, Terron chega a um registro que remete a infância dele, por meio de uma fala muito específica de onde ele viveu, no Mato Grosso. Gosto muito desse livro, pois é onde ele se entrega de verdade. Não fica naquele registro metalinguístico, de discussão artística da literatura, coisa que não me apraz. Gostei imensamente do último romance da Andrea del Fuego, Os Malaquias. Fico torcendo para que ela encontre muitos leitores que possam dizer a ela o quanto o livro dela é bonito. É preciso que alguém diga logo às pessoas no Brasil que esse livro foi escrito. Admiro profundamente autores que fazem o que não consigo fazer e Andrea é um deles.

Brasileiros- Ao contrário do que muitos pensam, o conto é um gênero literário que exige muita dedicação e síntese. Rendeu alguns dos maiores autores, como Julio Cortázar. Você lê muitos contistas? Bebe dessa influência direta? 
M.F. - Sim. Não por acaso, adoro ler contos. E até estou relendo agora Armas Secretas, do Cortazar. Comprei uma nova edição e estou me deliciando. Amo os contos de Machado de Assis, de Graciliano Ramos e Campos de Carvalho. Dos autores mais recentes, admiro Fabrício Corsaletti. Um grande contista. Tem um conto dele, chamado Seu Nome, que considero um clássico.

Brasileiros- Voltando à Edith, quais planos de novos autores e títulos. O que podemos esperar? 
M.F. - Ainda não definimos um cronograma de lançamentos, mas posso adiantar que sairá um livro maravilhoso, chamado Contrabandos, de Raphael Gancz. Textos que não poderiam chamar de poesia, mas que são, essencialmente, manifestos poéticos de grande ironia. Contra o sol, contra a cura do câncer, e até a favor da morte. É muito bonito o texto dele. No primeiro livro da série Que Viagem, Gisele Werneck vai parar Onde o Judas Perdeu as Botas. Há também autores mais velhos, como Jorge Antônio Ribeiro. Um senhor fantástico. Grande provocador. Escreveu um romance chamado Estes Dias Pedem Silêncio.

Brasileiros- E como andam as articulações para a quinta edição da Balada Literária? 
M.F. - Como sempre, unindo esforços e determinação. Ontem mesmo falei com Renato Parada, um jovem fotógrafo, apaixonado por literatura, que chegou a fotografar o Saramago. Fui convidá-lo para cobrir o evento, e nem sequer discutimos sobre dinheiro. É muito gratificante, pois percebo que, em primeiro lugar, está o engajamento e o entusiasmo das pessoas. Lygia Fagundes Telles será a homenageada desse ano e, desde a edição do ano passado, quando participou de algumas mesas, também foi super generosa e colaborativa conosco. No ano que vem, o homenageado será Augusto de Campos que, por feliz coincidência, estará completando 80 anos.

Brasileiros- O que acha da polêmica levantada por sua decisão de não participar da FLIP? 
M.F. - Não fui à FLIP e isso gerou grande repercussão, mas considero assunto encerrado. Não compactuo com os rumos que a FLIP tomou, mas sempre faço questão de enfatizar que a Balada Literária surgiu impulsionada pelo nascimento da FLIP. Apesar de, hoje, discordar da FLIP, insisto que iniciativas pontuais, como essas, são essenciais.

Brasileiros- Por fim, no meio de tantos acontecimentos, a quantas anda a obra do Marcelino autor? 
M.F - Estou concluindo uma novela que deverá sair pela Quadrinhos da Cia. , coleção da Companhia das Letras. Darei o nome de Mulungu, uma árvore muito comum no nordeste, que remete a minha infância em Paulo Afonso.

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