22.10.11

 

O envelhecimento e o mito da juventude

por Solange Pereira Pinto (com informações do vídeo "A utopia da melhor idade")

Na semana passada, durante a abertura do III Congresso Latinoamericano de Arteterapia, em Ouro Preto, ouvi o escritor, educador e psicanalista, Rubem Alves, 78 anos, dizer que envelhecer é horrível. Ele disse também que a velhice é feia, "basta um velho tirar a roupa e se olhar no espelho para constatar". E mais, reforçou que o termo "melhor idade" é uma farsa, brincadeira de mal gosto, pois nada tem de melhor a idade que vem rapidamente após a meia idade. Rubem Alves foi de uma sinceridade cortante e de uma lucidez desafiadora, tal como essa deve ser. 

As falas ecoaram fundo e percebi que começava a compreender melhor as badaladas que os meus 40 anos anunciaram anos atrás. Na meia idade, considerando-se uma vida até os 80 (o que eu duvido, no meu caso), a memória já falha mais do que deveria, os olhos enxergam menos do gostaríamos e as ressacas duram o triplo do que já experimentamos e parecem quase doença, a ponto de desanimar qualquer saída mais dionisíaca. 

É inexorável enxergar a realidade que vem feito trovão, embora a vontade seja fingir que a chuva não vem agora, já que o cabelo acabou de ser tingido e escovado.

O escritor reforçou que a gente tem medo da velhice e que ele, particularmente, fixou na porta de sua casa duas placas com os escritos em latim: Carpe diem (aproveite o dia, leia, produza, ocupe-se) e Tempus fulgit (o tempo foge), para não se esquecer de viver "o agora" intensamente e sem levar a vida muito a sério, cuidando apenas do essencial descartando as coisas tolas que são armadilhas para gastar o tempo e a energia. 


Do susto à utopia
Rubem lembrou que a gente não se descobre velho pelo espelho ou pela careca, cujos cabelos foram levados um por um, dia após dia, quase imperceptivelmente. A descoberta se dá, de repente, internamente e assustadoramente.  E ele disse que se descobriu velho há uns 30 anos. 

Passeando na internet, estudando o tema - envelhecer -  para trabalhar no ateliê arteterapêutico, 

encontrei quase por acaso 
o historiador Leandro Karnal, 48 anos, falando sobre a utopia da idade perfeita (vídeo abaixo). Uma aula imperdível que também traz ideias de outros pensadores que eu admiro. Dela, destaquei uns trechos para refletir e compartilhar neste espaço. 


 Leandro explica que a juventude, infância e amor materno são invenções da idade moderna, conceitos que não existiam antes. E, que essa invenção recente é mais valorizada e construída diariamente pelos adultos. "Nenhuma criança acorda dizendo que maravilha ser criança, ao contrário quer logo ser grande. Assim como o jovem não acha uma maravilha a sua pele", diz. Nós começamos a olhar para a juventude quando envelhecemos e temos a fantasia da juventude perdida. "Oh! que saudades que tenho/ Da aurora da minha vida,/Da minha infância querida/Que os anos não trazem mais"! (Sem quase nos lembrarmos dos incômodos dentes moles, da dependência, das mil ordens para isso e aquilo, das censuras, das broncas...)

Vivemos a cultura da juventude em uma época em que não se tem mais certeza de nada. A grande revolução do nosso tempo é a da incerteza, disse Jean Baudrillard. Nossas avós, por exemplo, no modelo mais antigo, tinham certeza de tudo, da vida "que devia e era boa de ser vivida" - casar, ter filhos, homens provedores etc. E, hoje?

Hoje a representação é mais importante do que o real. A foto "photoshopada" é melhor  imagem do que a imagem ao vivo do seu objeto real. Nesta pós-modernidade líquida, a ascensão do simulacro produz como metáfora a ideia do filme Matrix, de que o mundo real não é o que nós vivemos. 

Vivemos em um mundo de corantes, anilinas, estimulantes artificiais. Nós usamos drogas lícitas, como o café, para nos mantermos acordados, tomamos pílulas para felicidade, para o erotismo imediato e para relaxamento e sono; buscamos a gelatina mais vermelha (mais colorida), pois a desbotada parece artificial. Estamos na era da química, do simulacro

Nesta era de aquário, tão mística, estamos menos voltados para o racional. Vivemos a época em que os jovens - vindos com a contracultura, com seu auge nos anos 60 -,  tomaram todos os espaços públicos e mídias. Dos festivais para cá, inventamos o momento de ouro da existência: o instante da juventude. 

São os adultos que constroem a infância como sendo boa e a adolescência como particularmente interessante, "a fantasia dos tempos mágicos, bons de se viver". Os adultos colocam o  "tesouro da juventude", como um desejo que voltar no tempo para viver a junção "cabeça madura e corpo juvenil". Ainda que comece a surgir um mercado para os idosos e sua valorização em alguns segmentos e países, queremos a utopia da fonte de juventude.

Paradoxo: falta esperança e se prolonga a vida
Ao mesmo tempo, parece que temos a consciência de que somos a "última geração", somos sem esperança, pois não acreditamos que as próximas gerações viverão melhor do que nós Temos a "certeza" de que o trânsito não diminuirá e o emprego não aumentará. 

Diante de um cenário tão pessimista, contraditoriamente, não aceitamos a morte. Achamos que tudo pode ser resolvido, que a ciência e a tecnologia terão a solução. Acreditamos que podemos mudar o envelhecimento. Vivemos os mitos de Prometeu, de Sibila, de Peter Pan e de Dorian Gray, entre tantos outros da cultura do efêmero, em que tudo é descartável e aparente. 

O pecado nos envelhece, tornando-nos mortais, diria o mito do paraíso. Só os deuses nunca envelhecem e vivem para sempre, como Apolo. Mas saibamos: as transformações são boas e ruins. E para não envelhecer coma muita gordura, pois ela evita todas as doenças degenerativas, uma vez que se morre com as veias entupidas antes mesmo de envelhecer.

As fantasias da memória e do real
O realismo é próprio do envelhecimento, pois na juventude há a ilusão de que tudo se pode. Mais tarde sabemos que o tempo encurta rapidamente para tantos desejos a realizar. Então, olhamos para trás e fantasiamos velhos namoricos, antigas amizades de escola e outras reminiscências tomam volume e graça. Costumo dizer que  saudade é uma porção mágica que transforma tempos remotos difíceis em lembranças amigáveis e felizes. 

A sabedoria é fazer do tempo o "sempre agora". Até podemos fantasiar o passado - o  beijo nervoso da puberdade, será transformado - no futuro -  em um beijo romântico, como o fazemos com frequência.  Somos seres permanentes, ressignificando toda a experiência e é bom lembrar: temos vantagens e desvantagens a cada momento. A memória é construção. Por exemplo, nos apaixonando e nos casamos quando temos a visão perfeita e vamos enxergando cada vez menos, porque cada olhar busca o que quer ver.

A utopia da juventude é antiga. Porém, no mundo atual ela tem as funções políticas e sociais da juventude. Essa utopia faz com que o mercado explore perigosamente as noções de jovem e velho. Cria-se um modelo em que as pessoas vão buscar uma determinada identidade (dada pelo mercado em uma sociedade capitalista) é um "não-lugar ideal". É a máxima: "tenho que estar onde não estou de uma forma perfeita". 

Por exemplo, aos 14 anos quero ir à boate que só posso aos18. Vivemos a era em que os jovens não querem crescer, os adultos querem voltar a ser crianças, velhos querem a jovialidade. "Tenho que estar em lugar em que não estou de uma forma perfeita". Ou seja, estamos sempre em uma etapa distinta do que somos, da idade que temos. 

Contudo, não há um ruptura entre jovens e velhos. Os velhos não são radicalmente diferentes do que eram quando jovens. Não nos modificamos tanto e os otimistas serão otimistas e os  chatos serão chatos, cada um guarda o seu tom e isso não se modifica apesar do tempo. Somos crianças como nossos pais...

O não lugar para uma não vida

Há até um discurso cultural perverso que os jovens dominam esteticamente, mas o dinheiro está na mão dos mais velhos. Assim, há uma juventude insatisfeita porque não pode consumir desesperadamente tudo que deseja e uma velhice insatisfeita porque não pode usar tudo que pode comprar, vez que o tempo já passou. O novo ópio é a vontade de estar sempre nesse "não-lugar" de uma "não-vida". Por medo.

Todos animais têm medo de morrer. Envelhecer é estar mais próximo da morte e a gente sabe disso. Todos seres vivos tentam sobreviver. Porém, vamos tendo a consciência de que não há mais tempo para se fazer tanta coisa. 

Muitos velhos se deprimem, porque tudo identifica o seu mundo começa a sumir, a desaparecer, dai vem a vontade de morrer, a depressão. Viver para sempre tem um peso, soube Sibila que ganhou a eternidade e não a juventude, restando apenas a sua voz.

"Toda badalada nos fere, a última nos mata". O que mais tememos na velhice é que ela representa o fim. Todas as vaidades terminam em nada. Ossos e pó. "És o que fomos, serás o que somos", diz a lápide. 

Estar nem lá nem cá, dá raiva. E "o que mais irrita os adultos é que a adolescência seja gasta por adolescentes, que não sabem como vivê-la direito". É um período em que não se tem equilíbrio e consciência para aproveitar a juventude, dizem e quando se adquire a sabedoria já não se tem a juventude, lamentam. Talvez essa "sentença" explique a impaciência dos pais frente à rebeldia e descobertas dos filhos pós-púberes . 

O veneno
Na época medieval se acreditava em destino, agora acreditamos que podemos transformar tudo. Não aceitamos mais o que seja natural e nem natureza humana. Vendemos a ideia de que todos têm o direito de ter êxito e ser bonitas. O discurso venenoso propaga que "todos podem enriquecer" e quem não enriqueceu é preguiçoso, quem não é magro, quem não tem sucesso, quem não... é porque "não se esforçou direito", reza o mercado.

Os antídotos
Onde há dificuldades, há energia de vida.  E Rubem Alves ensina que precisamos aprender a gozar a vida, cultivar a alegria, não levar a vida a sério e não deixar nada para amanhã, pois a vida é agora e não pode ser guardada, merece intensidade. "Enxergue prazer nas pequenas coisas, como tomar um banho quente e comer um pão com manteiga e a café na padaria", ensina o sábio aos 78 anos. Precisamos viver cada momento como o seu momento. 


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Uma aula imperdível:  Íntegra: A utopia da melhor idade | CPFL Cultura

Com o impacto das técnicas de manutenção da juventude artificial, qual seria o desdobramento de um corpo “sempre jovem” para uma alma que vê o envelhecimento como apodrecimento sem significado? Quando somos jovens buscamos independência e sabedoria, mas, quando a alcançamos estamos velhos e desejamos de volta o vigor da juventude. Será que passamos a vida esperando pela idade em que seremos plenamente felizes? No Café Filosófico (ver vídeo), o historiador Leandro Karnal fala sobre a utopia da idade perfeita. Karnal analisa os valores associados à juventude em diversos períodos da história e nos mostra os novos significados que juventude e velhice assumem no mundo de hoje. Essa recorrente insatisfação, em todas as idades pode ser sintoma de nossa incapacidade de viver o presente.
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O mancebo e o velho
Olavo Bilac




O mancebo perfeito e o velho humilde e rude
Viram-se. E disse ao velho o mancebo perfeito:
"Glória a mim! sorvo o céu num hausto do meu peito!"
E o velho: "Engana o céu... Tudo na terra ilude..."

"Rebentam roseirais do chão em que me deito!"
"A alma da noite embala a minha senectude..."
"Quando acordo, há um clarão de graça e de saúde!"
"Pudesse ser perpétua a calma do meu leito!"

"Quero vibrar, agir, vencer a Natureza, Viver a Vida!" 

"A Vida é um capricho do vento..." 
"Vivo, e posso!" 
"O poder é uma ilusão da sorte..."

"Herói e deus, serei a beleza!" 

"A beleza É a paz!" 
"Serei a força!" 
"A força é o esquecimento..."
"Serei a perfeição!" 
"A perfeição é a morte!"






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Seu blog é muito bom!
 
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